“Pra sempre Alice”
Não sou um homem medroso. Enfrento problemas, driblo medos, luto por minutos mais brandos todos os dias. Mas se tem algo que me deixa apavorado é a possibilidade de perder este que é o bem mais valioso: minha memória. Imagine esquecer tudo o que você viveu na infância: as descidas de rolimã, as subidas nas jabuticabeiras, a companhia da irmã, todas as mil besteiras. Imagine esquecer tudo o que você fez com os amigos: as brincadeiras na escola, o beijo adolescente, da faculdade ao pique-cola, tudo de sua mente. Imagine perder tudo o que você estudou, os lugares por onde viajou, o carinho da mãe que sempre ganhou, o afago do pai que sempre buscou… Sim, a realidade me desmoronaria. Não, eu não aceitaria.
Assisti a um filme que me fez chorar do início ao fim. Uma preciosidade que, além de tratar de um assunto que tanto me amedronta, ainda traz uma das minhas atrizes preferidas no melhor papel de sua carreira – o que lhe rendeu o tão sonhado Oscar no ano passado (2015). Em “Para Sempre Alice”, Julianne Moore vive uma renomada linguista, inteligentíssima, bem casada e mãe de três filhos, que aos 50 anos começa a esquecer as palavras e logo descobre sofrer da doença de Alzheimer precoce. Para enfrentar o problema, Alice começa na marra a administrar algo que nunca pensou que iria ter que fazer: dominar a arte de perder!
Em certo momento do filme, ela cita um pensamento da poetisa Elisabeth Bishop, que escreveu: “A arte de perder não é nenhum mistério. Tantas coisas contêm em si o acidente de perdê-las, que perdê-las não é um desastre”. Não seria um desastre se você, a partir dessa temível doença, não estivesse perdendo tudo aquilo de mais importante que passou pela sua vida. Mas Alice retira o seu melhor: “Sim, estou aprendendo a arte de perder, todos os dias. Por toda a vida, acumulei lembranças, e elas se tornaram o meu bem mais precioso. Tudo o que dei do meu melhor agora está sendo tirado de mim. E isso é o inferno. O bom disso tudo é que ainda estou viva”.
Assim como Alice – que tentou reafirmar seus laços de ternura, em especial com a filha Lydia (Kristen Stewart), com quem sempre teve uma relação complicada –, quem sofre desse mal é duro consigo, por não lembrar de muitas coisas, mas ainda assim tem momentos de pura felicidade. Então, a receita dela é justamente “viver o momento”. Sem mais nem menos: apenas fazer esboços e rabiscos em um caderno, e ele só poderá ser lido e lembrado por você naquele instante. E nada mais.
É… Definitivamente, pra mim, não dá! Isso é a morte lenta, a dor incomparável, dias e noites de tormenta, a única e verdadeira lágrima insustentável. Por meio deste texto e desse filme, quero buscar mais apoio na luta contra o preconceito de quem sofre com o Alzheimer. Também admiro quem tira lições dessa difícil experiência e continua lutando. Mas, se fosse comigo, não sei se teria forças para continuar vivendo. Olhar pra trás e enxergar um buraco negro em vez de belas memórias é como dormir e não lembrar do sonho inesquecível. É como comer e não sentir aquele sabor incrível. É como respirar e não se sentir invencível. Mas vamos cair na real: você tem um caminho certo a trilhar, um destino a completar; se for pra esquecer, que Deus seja seu maior motivo para lembrar. Só Ele sabe o peso do fardo que você pode carregar.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.