“O Castelo de Vidro”
Todo mundo gosta de filmes baseados em histórias reais. Eu, então, amo! E se a produção vem de um livro, um best-seller, algo que foi destrinchado antes, ele fica ainda mais interessante. E se tiverem flashbacks então? Aí eu piro! Eu é que não sabia que existia um livro homônimo do filme “O Castelo de Vidro”, escrito pela jornalista Jeanette Walls e lançado em 2005, porque, senão, eu o teria lido primeiro, antes de assistir ao longa do diretor Destin Daniel Cretton (de “A Cabana”), que já está em cartaz nos cinemas. Uma trama forte, impactante e com que tive uma identificação muito grande por tratar de temas familiares, íntimos, dos sonhos e pesadelos que cada membro de uma família pode ter – estou pensando seriamente em ler o livro, tamanho envolvimento e emoção com o enredo, mesmo já tendo visto o filme.
Na história, livro e filme retratam a vida de Jeanette (Ella Anderson/Brie Larson), de seus pais (Woody Harrelson e Naomi Watts) e de seus três irmãos. O pai, alcoólatra, possessivo, fantasioso e um tanto violento, e a mãe, impotente, largada e nada preocupada com o futuro, têm uma vida nômade e forçam os quatro filhos a viver uma infância e adolescência completamente turbulenta. Tanto a produção cinematográfica quanto o livro têm o ponto de vista de Jeanette, que, em meio às dezenas de vezes em que se mudam de casa, vê o patriarca da família fantasiar com os filhos a construção de um castelo de vidro, que teria todo o conforto e diversão dos quais necessitariam para viver. Só que o tão sonhado castelo não sai do papel e da cabeça do pai, e, assim, é feito um retrato sensível de uma família desequilibrada emocional e financeiramente, em que as crianças assumem o protagonismo da história, questionando os posicionamentos dos adultos diante da vida por várias vezes.
Em um dos pesados episódios que acontecem com Jeanette, seu pai diz para ela sair da beira de uma piscina pública e a obriga a aprender a nadar. Ele a pega com carinho, leva para o meio da piscina e, do nada, a joga, bruscamente, dizendo: “Às vezes, precisamos sair da borda para aprender a nadar”, fazendo uma real apologia de tudo que passamos em nossas vidas. Ela consegue se virar na água, e ele acredita ter feito algo certo, mesmo sendo criticado por todos a sua volta. Entretanto, aquilo é tão traumatizante para a menina que não dá pra saber se ela tira algum ensinamento no fim das contas. E, diante do cenário desconstrutivo de sua teia familiar, esse é apenas um trauma que ela viveu na infância. Esse é só um exemplo mínimo e trágico do que pode transformar a cabecinha de uma criança traumatizada.
Assim, quando é que uma cicatriz pode se fechar? Jeanette leva consigo essas tantas cicatrizes, reais e imaginárias, de uma relação paterna envolta em miséria e violência físico-psicológica, que, ao serem desvendadas na tela, emocionam, e muito, o espectador. As atuações de Ella Anderson e Brie Larson me fizeram chorar como um menino – e eu ainda custei a me desvencilhar daquele mundo depois que o filme acabou. É impossível não se envolver, não se conectar com algo da sua infância, por mais que ela tenha sido nada traumática ou catastrófica. A comparação e a identificação vêm naturalmente. Nitidamente, como uma flecha certeira no alvo de um coração despedaçado. Uma criança não ter a chance de realizar um sonho é só o início frustrante de uma vida de tristes lembranças.
Por mais que a insensata história real do filme nos mostre um caminho (“É impossível respirar quando se está afundando na merda”), Dalai Lama nos apresenta um legado: “Não deixe que ninguém tire a sua paz interior”. Num mundo em que “falar não é tentar”, se você não fizer a sua parte e tentar se recuperar das cicatrizes que insistem em arder, nenhum castelo pessoal vai se erguer. Apenas cacos desse teto de vidro vão aparecer.
Até a Próxima!
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.