Sabe quando você vai ao cinema e, logo depois de um intenso e reflexivo filme, precisa parar, raciocinar e googlar pra ajudar a desvendar tudo o que acabou de se desenrolar? Então, assim é “Mãe!”, do diretor Darren Aronofsky e que ainda está em cartaz em poucas salas de BH. Tudo bem, o longa não agrada a todo mundo. É oito ou oitenta. Eu vi gente saindo indignada no meio do filme, mas vi gente petrificada, com o olhar fixo no horizonte infinito das subidas dos créditos. Eu, por exemplo, fiquei estático, mas sedento por explicações para entender melhor a metáfora constante que o diretor emprega.
Mas o que é “Mãe!”, afinal? A sinopse é simples, pacata e clara: “Um casal vive em um imenso casarão no campo. Enquanto a jovem esposa (Jennifer Lawrence) passa os dias restaurando o lugar, afetado por um incêndio no passado, o marido (Javier Bardem), mais velho que ela, tenta desesperadamente recuperar a inspiração para voltar a escrever os poemas que o tornaram famoso. Os dias pacíficos se transformam com a chegada de uma série de visitantes que se impõem à rotina do casal e escondem suas verdadeiras intenções”. Tudo seria descomplicado se não fossem os símbolos e as representações que todo o roteiro carrega. E isso é demonstrado logo no início do longa, ao subirem os créditos do elenco e, entre parênteses, ser mostrado o que cada personagem, sem um nome específico, carrega na história. Javier Bardem é creditado como “Ele” (o relativo a Deus), Jennifer Lawrence é “mãe” (a Mãe Natureza), Ed Harris é o “homem” (Adão), Michele Pfeiffer é a “mulher” (Eva), Domhnall Gleeson é “o filho mais velho” (Caim) e Brian Glesson é “o irmão mais novo” (Abel). Nenhum dos personagens tem um nome próprio ou faz alusão direta à Bíblia – com a casa sendo nosso mundo. Nessa polêmica teoria, o perigo iminente: é possível que muitos não percebam as entrelinhas e acabem saindo do cinema sem entender aquilo a que acabaram de assistir. Aronofsky demonstra claramente sua visão do nascimento e do eventual fim da humanidade.
Dentre muitos que li, um texto do site Omelete, do portal Uol, me ajudou muito nessa interpretação depois disso (pois eu saquei tudo isso no início do filme, mas, mesmo assim, precisei de ajuda para entender tudo de uma forma global). Segundo o que li, “a história começa com Deus e a Mãe Natureza vivendo em harmonia na Terra, um local que ela o ajudou a construir, preparando tudo da maneira que ele mais gosta. Tudo ia bem até a chegada de Adão, que começa a mexer com o equilíbrio do local. Apesar dos protestos quase silenciosos de sua companheira, Deus convida o homem para ficar, uma vez que o visitante é fã de seu trabalho. Com isso, ele mostra toda sua casa e, inclusive, revela para Adão seu ‘sagrado’ escritório – exibindo para o novo ‘amigo’ uma joia que seria o relativo ao fruto proibido. Adão, porém, é um homem doente e, em uma das cenas, aparece vomitando com um corte exposto em sua costela (na Bíblia, Adão dá uma de suas costelas para ganhar uma companheira). Pouco depois, Eva, sua esposa, bate à porta e invade a casa, mexendo em tudo e provocando a Mãe Natureza. Não demora para ela destruir, sem querer, o ‘fruto proibido’, gerando a ira de Deus que os bane de seu escritório (seu paraíso) para sempre. Na continuação da história bíblica, Adão e Eva têm dois filhos: Caim e Abel. No longa, os dois filhos invadem a casa e começam a brigar – sendo que o mais velho acaba matando o mais novo para desespero de Adão. Deus oferece sua casa para o funeral e ela é imediatamente invadida por pessoas desconhecidas que começam a mexer no ‘mundo’. Então, a Mãe Natureza pede que eles sejam expulsos – o que seria o primeiro ‘fim do mundo’, com a inundação da Arca de Noé. Sozinho com a Mãe natureza, ele a engravida. Deus sente-se inspirado com a chegada de seu primeiro filho e escreve um novo poema (novas escrituras), que, assim que lançado, é aclamado pelo povo – que mais uma vez invade sua casa para o desespero da Mãe Natureza. No meio do caos, ela dá à luz a criança (Jesus), que, após um momento de descuido da mãe, é levada por Deus para o povo. Seu único filho é morto pela humanidade (eles acabam bebendo seu sangue e comendo seu corpo), e, mesmo assim, eles recebem o perdão. Eventualmente, o caos é tão grande e o homem destrói tanto a casa (mundo) que só resta à Mãe Natureza a aniquilação de tudo – o apocalipse”.
Tá vendo como eu não tinha condições de entender tudo isso sozinho? Obrigado, muito obrigado, internet! Mas não vai pensando que para por aí: a cabeça desse diretor é tão ampla que, além de recontar as escrituras com aspectos contemporâneos, seu trabalho ainda pode ser interpretado na relação da sociedade com a mulher, numa meditação muito pessoal sobre o ato criativo e seu efeito sobre os artistas e as pessoas que os rodeiam – e até na sua visão de Deus. É por isso que esse suspensão psicológico e surreal não pode ser passado despercebido. Há muito e muito mais por detrás de “Mãe!”. E é por isso que o cinema é tão mágico. Um mundo de possibilidades que se transformam em infinitos entendimentos. Que a nossa vida seja sempre um filme de Aronofsky, uma fábrica de sonhos, uma usina de significados, uma indústria de perspectivas.
Até sexta-feira que vem!
Foto: divulgação
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