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A dependência que fascina

“Ela”

Num futuro não muito distante, um homem sentimental, complexo e em processo de divórcio, que trabalha escrevendo cartas pessoais e comoventes para os outros, se interessa por um novo e avançado sistema operacional instalado em seu computador e smartphone – uma espécie de organizador de dados e de sua própria vida ou uma companhia para a vida individualista do futuro. Assim, esse homem, o solitário Theodore (Joaquin Phoenix), conhece Samantha (Scarlett Johansson), a voz feminina vibrante, engraçada e cada vez mais sensível que sai de seus aparelhos. À medida que as necessidades e os desejos dela crescem, juntamente com os dele, a amizade se aprofunda e acaba se transformando num perfeito amor um pelo outro. Sim, o premiado roteiro do filme “Ela”, do diretor Spike Jonze, disponível na Netflix, é uma linda história de amor entre um homem e uma máquina. E, por mais estranho, ousado ou absurdo que isso possa soar, o romance é realmente belo e emocionante.

Você começa a perceber que é possível esse envolvimento por parte do protagonista porque se você, acostumado ou viciado nos produtos eletrônicos que o rodeiam, é vulnerável hoje, imagine num futuro em que a dependência e a solidão podem ser ainda maiores. E a discussão do longa vai muito mais além. Nas relações afetivas do novo século, unidas às redes sociais e às formas rápidas de comunicação, quantas vezes você já não abandonou momentaneamente uma mesa de bar lotada de gente a sua volta para teclar no bate-papo do Facebook ou responder a um chamado do WhatsApp? Quantos sorrisos você não já trocou por smiles? Quantos carinhos reais recebeu em vez de alentos virtuais?

No dia a dia, são poucas as vezes que caímos na real sobre o tanto que nos acostumamos com esse novo estilo de vida na palma da mão. E Theodore nem pensa nisso. Apaixonado, só pensa na forma mais pura do amor. Nas palavras de uma de suas poucas amigas, a vizinha Amy (Amy Adams), “o amor é uma forma de insanidade socialmente aceitável”. E, na loucura da vida curta dos seres humanos, o pouco de felicidade pode vir em pequenas doses de amor daquele que realmente quer e pode te dar atenção, esteja ele do seu lado, na importante forma presencial, ou a quilômetros de distância, mas perto por meio dos cliques instantâneos na tela do inseparável celular.

Dentro dessa perspectiva, é muito mais fácil qualquer um se apaixonar por algo virtual, em que tudo pode ser projetado direto da mente, e ainda com fácil acesso, do que pelo real, que é nitidamente difícil, trabalhoso e repleto de defeitos. Em outra passagem do filme, Samantha, já experiente, sábia e com seu suave temperamento humano aflorado, retruca: “O passado é uma narrativa que nós construímos para nós mesmos”. E ela está certíssima! Estamos conscientes de que a nossa história de vida pertence única e exclusivamente a nós mesmos, e ninguém tem o direito de tirar isso de nós. Ou seja, dentro do ciclo do começo, meio e fim, temos a oportunidade de montar nosso mundo, seja ele real ou virtual. E, na minha opinião, realmente não importa se você está trilhando um caminho cibernético avassalador, desde que as relações feitas pelo computador e mantidas pelo celular possam se materializar em algum momento, mostrando que você é um ser mais que evoluído e que sabe dominar as ferramentas modernas.

Desde quando a internet foi criada, quantos amigos você já fez por ICQ, MSN, fotologs, salas de bate-papo, Skype, Twitter, Orkut, Gtalk, Instagram, Facebook? Se 1% deles saiu do virtual e é mantido até hoje num sentimento real, é sinal que você não precisa de uma avançada e poderosa Samantha ou qualquer sistema surreal para sobreviver e se apaixonar. Precisa de uma tecnologia básica só pra manter aquele que ama mais perto, mais presente, ainda mais palpável, tangível e incoerentemente real.

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