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Estas garotas dinamarquesas

  • por em 30 de março de 2018

Quem é a autêntica garota dinamarquesa? Foi essa pergunta que martelou minha cabeça quando saí do cinema em 2016 e, agora, ao assistir novamente na Netflix ao belo filme do diretor Tom Hooper, indicado em quatro categorias do Oscar naquele ano – vencedor em uma – e baseado numa história verídica. Em “A Garota Dinamarquesa”, o pintor Einar Wegener (Eddie Redmayne) vive uma forte mudança de comportamento ao se assumir mulher por completo e tomar a difícil decisão de se submeter à primeira cirurgia de redesignação sexual registrada na história, isso na década de 20. Casado com a também pintora Gerda (Alicia Vikander, vencedora do Oscar 2016 como atriz coadjuvante), Einar vai se soltando aos poucos, dando vida a sua caracterização feminina, Lili Elbe, e mostrando um verdadeiro mundo novo para sua mulher.

É nesse ponto que a figura de Gerda brilha ao lado do marido. Durante todo o filme, ela é a verdadeira figura da força, da compreensão, do entendimento, da gratidão. Tudo bem que a ardorosa mudança de vida – e a busca infinita pelo impetuoso consentimento e pela difícil aceitação da sociedade – é inteiramente do protagonista, que, mesmo naquele tempo em que pessoas como ele eram taxadas como doentes, larga tudo o que construiu em sua vida pessoal e profissional para buscar a felicidade. Mas o que vi à sombra dessa mulher já formada foi uma outra mulher determinada, ajustada, decidida a apoiar aquela figura que tanto ama até o fim. E, realmente, se não fosse por ela, Lili Elbe não teria nem uma imagem, enfim.

Por mais que surjam duras críticas – o filme foi polemizado por romancear e adocicar demais a história, que teria sido mais dura para seus protagonistas –, o fato é que a linha seguida pelo diretor (e pelo escritor David Ebershoff, que escreveu o livro homônimo no qual o filme foi baseado) é mesmo a de romancear a história. Tanto que notamos isso logo de cara pelo tom melodramático das cenas de abertura, em que paisagens dinamarquesas são ilustradas ao som de acordes de piano melódicos e sutis; e ainda na “descoberta” do protagonista ao se vestir com roupas femininas, a pedido de Gerda, e assim posar para ela no lugar de uma modelo ausente: o toque no tecido, o olhar de fascínio por se ver mulher, a vontade exacerbada de, enfim, assumir a tão sonhada mudança de gênero e chegar a sua plena harmonia íntima.

Nessa luta interior por equilíbrio, Einar, já transformado por dentro (principalmente) e por fora em Lili – volto a dizer – some ao lado de sua parceira. Apesar de Eddie Redmayne fazer mais um papel excepcional – assim como em 2015, quando ganhou o Oscar por seu trabalho poderoso e detalhista ao interpretar Stephen Hawking em “A Teoria de Tudo” – e seu personagem viver as amarguras e transformações de um transgênero, quem merece o título de “A Garota Dinamarquesa”, para mim, é Gerda. Ela enxergou o marido, o ajudou em sua transição, conduziu sua mutação e, ainda assim, mesmo com aquela gigante perda, lidou com a irremediável solidão. Sem contar que ainda era a chefe da casa e guiava magistralmente sua própria carreira e aceitação, numa fase em que os sonhos dela se dissipavam e os de seu marido estavam em plena ebulição. Se o título original não for colocado no plural e dividido com ela, acho que não entendi o filme, não.

Até semana que vem! Bom feriado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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