“Eu não sou um homem fácil”
Imagine você bater a cabeça, desmaiar e, quando acordar, perceber que tudo está mudado, virado de ponta-cabeça, num cenário em que as mulheres ocupam o lugar dos homens e vice-versa. Não, não estou falando do pastelão brasileiro “Se Eu Fosse Você”. Esse é o mote do filme “Eu Não Sou um Homem Fácil”, um projeto ousado, intenso, reflexivo e muito divertido da diretora francesa Eleonore Pourriat, disponível na Netflix.
A história gira em torno de Damien (Vincent Elbaz) que, ao cantar escrotamente umas meninas que andavam por uma rua de Paris, bate a cabeça em um poste e desmaia. Assim, ele acorda em um mundo onde as mulheres e os homens inverteram seus papéis na sociedade. Esse machista inveterado – que trata as mulheres como objetos e só pensa em transar com o maior número de “presas” possíveis – acaba provando de seu próprio veneno ao despertar nesse mundo completamente dominado por mulheres. Ele acaba entrando em conflito com uma poderosa escritora, justamente a mulher pela qual ele se interessa no início do filme e em quem dá as mais podres cantadas, mais uma em seu assédio diário.
Quando eu li a sinopse na tela da Netflix, até achei que iria ser mais uma dessas comédias banais, sem conteúdo, que só servem pra fazer a gente rir – ou não. Mas a produção é muito mais do que isso. Pensa: é como se tudo relativo ao poder histórico e social do vínculo homem/mulher em nossa sociedade tivesse mudado abrupta e completamente. E essa reflexão forçada só demonstra o tanto que todos nós, homens e mulheres, somos machistas 24 horas por dia e nem percebemos.
Não pense que o roteiro é superficial ou tendencioso. É forte! E, de uma forma ágil, numa produção dinâmica e divertida, o protagonista não demora muito a perceber que os papéis estão realmente trocados e é só ele que se espanta com tudo aquilo. É engraçado – e ao mesmo tempo crítico – ver o melhor amigo dele se tornando dono de casa; a mãe dele tomando conta do açougue da família enquanto o pai costura e borda; as mulheres arrotando, assistindo futebol, saindo sem camisa, pegando geral e cantando os homens, que, por sua vez, usam roupas curtas e às vezes obscenas, se depilam, são extremamente sensíveis, choram assistindo a filmes românticos e não transam no primeiro encontro.
A produção não perde o tom descontraído, mesmo tratando de um tema tão intenso e delicado. E, a cada cena, há aquele questionamento e até mesmo uma confusão mental bem argumentadora: eu, como homem, acabo agindo assim mesmo, da forma contrária à que está sendo relatada? Eu, como mulher, também chego a ser machista assim? Esse termo, então, é outro ponto incrível do filme: eles não usam “machista” e, sim, “masculinista”, que seria o contrário de “feminista” no roteiro – um senhor tapa na cara da nossa sociedade real que, vira e mexe, demonstra e dá a entender que “machismo” é o contrário de “feminismo”, e não é nada disso mesmo!
E é justamente desses rótulos que devemos fugir, evitando o padrão e buscando a autocompreensão. Não precisamos virar o mundo de ponta-cabeça pra chegar num ponto ideal. O que vale é o equilíbrio. Deixa o cara fazer a unha ou a moça não querer se depilar. Qual o problema de ele usar saia? E o que impede que ela seja uma excelente motorista? Aquele menininho curte brincar de boneca, já a garotinha é fanática com futebol. E daí? Daí que todos nós devemos ver e rever esse filme (cujo final é sutil e emocionante, se atente!). Uma pérola francesa que pode abrir a minha, a sua, a nossa mente. Apenas um respeito mútuo que deveria vir naturalmente.
Até sexta que vem!
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