“Eu Quero Voltar Sozinho”
Em 2010, assisti a um curta-metragem na internet que chamou não só minha atenção, mas também a de muita gente pelo país. E não era para se assustar por tal fenômeno. O diretor, Daniel Ribeiro, fez dois dos mais premiados curtas brasileiros de todos os tempos, somando mais de 115 prêmios em festivais nacionais e internacionais. Um desses curtas é justamente “Eu Não Quero Voltar Sozinho”, trama que eu vi naquele ano e que fala sobre um garoto cego que se apaixona por um colega da escola. Quatro anos depois, Ribeiro voltou à cena com “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, longa inspirado na produção anterior e que traz o mesmo elenco para as telonas – e que, agora, está disponível na Netflix.
Leonardo (Ghilherme Lobo) é um adolescente cego da classe média paulistana, que frequenta um colégio particular, onde passa grande parte do tempo em companhia da divertida Giovana (Tess Amorim), sua melhor amiga, que o acompanha todos os dias até em casa. A rotina deles se altera com a chegada de um aluno novo, Gabriel (Fabio Audi), que faz a dupla se tornar um trio e conquista o interesse tanto de Leonardo quanto de Giovana, chegando a provocar um estremecimento entre os velhos amigos.
O mais interessante disso tudo nem é a história, que é contada muito à vontade com as senhas do mundo jovem, abocanhando esse público adolescente, mas a ternura como são tratadas duas desigualdades: a cegueira e a homossexualidade. Léo faz parte de uma minoria afunilada, porém, não recebe nenhum tratamento diferenciado por isso, o que é encantador. O diretor quis mostrar um menino pulsante por descobertas de um modo sutil e acolhedor, não focando suas diferenças, e que, “de olhos fechados”, se apaixona genuinamente. Ou seja, as mazelas são deixadas de lado, a não ser pelo bullying tão presente nessa idade, e o mote acaba sendo a pureza do primeiro amor.
Não deveríamos agir assim também? Tirar o foco do que parece diferente e nos encantar pelo afeto que reina entre as relações seria o pontapé inicial para uma atitude normal e, ao mesmo tempo, valiosa do dia a dia. Mas somos carregados de juízos de valor que miram avassaladores para uma sociedade machista, racista e repetidora de vergonhosos preconceitos. É a loira gordinha, o negro pobre, o menino afeminado, a feia intelectual, o magro fanho, o paraplégico, o baixinho, o punk, o mudo, o autista, até aquele que só não quer ser como a maioria. Simplesmente não é igual e paga por isso.
O bacana não é ser cult e educado? O maneiro não é ser sincero e ajuizado? O legal não é ser legal com todo mundo? Não podemos nos esquecer de que o que nos resta individualmente é o amor. Escolhida a dedo por Daniel Ribeiro para a trilha de “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, a música “There’s Too Much Love”, da banda escocesa Belle & Sebastian, sintetiza em seu refrão todo o sentimento que o filme traduz: “Eu não posso esconder meus sentimentos de você agora / Há muito amor ao nosso redor nos dias de hoje”. É nesse amor dos tempos modernos, que é cego aos olhos de muitos e que existe aí bem pertinho de nós, que devemos nos segurar. E, assim, prosseguir.
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