O segredo guardado, a coragem armazenada - BH DICAS
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O segredo guardado, a coragem armazenada

  • por em 9 de junho de 2017

“Neve Negra”

O que fazer com um segredo quando te falta coragem? Como exercer a coragem se o melhor a fazer é manter o segredo? Quando o segredo é absoluto, deve-se esconder atrás da coragem? O caminho mais fácil: abafar a verdade, perder a consciência, esconder até de si as trajetórias da veracidade. Ouvimos com frequência, desde pequenos, que devemos ser bravos, esforçados, corajosos… mas bastou um segredinho aparecer para você titubear. Imagine, então, se for um baita segredão? O patriarca de uma família acaba de morrer. Os filhos, já bem crescidos, não se veem há anos. Mas só foi o pai falecer e a herança aparecer que o interesse logo começou a corroer. É só falar de dinheiro pra coragem brotar, surgir, florescer. Em “Neve Negra”, filme argentino do diretor Martín Hodara, dos mesmos produtores de “Nove Rainhas” e “Um Conto Chinês”, Salvador (Ricardo Darín) vive isolado do mundo nas colinas geladas da Patagônia. Sozinho há décadas, ele recebe a inesperada visita do irmão Marcos (Leonardo Sbaraglia) e da cunhada Laura (Laia Costa). O objetivo dos dois é que Salvador aceite vender as terras que os irmãos receberam em herança, mas ele, bruto e misterioso, não está nem um pouco disposto.

É dentro dessa trama que um segredo muito bem guardado vai movimentar todo o filme. Com a ajuda de flash-backs, você vai desvendando, mesmo que bem lentamente, os mistérios desse segredo familiar. São esses flashbacks, inclusive, os pontos mais agradáveis do longa. Como o cenário das duas narrativas temporais é o mesmo – a fazenda cobiçada pelo casal que vem de fora e a cabana isolada do mundo do ermitão que lá vive, lugares onde os irmãos passaram a infância –, a transição de uma cena para outra é muito bem feita, de uma sutileza incrível. Ótimo trabalho de edição de Alejandro Carrillo Penovi, que faz com que a história flua naturalmente, brincando com o passado e o presente e envolvendo os espectadores. Outro ponto a se destacar é a fotografia, cujo tom intenso e sombrio do inverno argentino provoca algo, digamos, sensorial. Em algum momento do filme, após ver e viver tantas belas cenas da neve na Patagônia, você acaba sentindo frio junto com os personagens. Bem soturno e assustador, o que eleva o tom de suspense.

E é esse tom de suspense a maior característica do tenebroso personagem de Ricardo Darín. Diferente de muitos papéis que já viveu, o misterioso homem foi acusado de matar um de seus irmãos baleados acidentalmente durante um dia de caça – isso, claro, é mostrado em um flashback, logo no início do filme. Talvez por isso o tom fúnebre e enigmático de Salvador. Você percebe, desde as primeiras cenas, que tem algo secreto no ar. Falando em segredo, Marcos também encobre algo, e o pior, acovarda-se diante de seu silêncio. O medo está presente no personagem de Sbaraglia, e não há sofrimento maior que a dor da intimidade, a tortura da culpa, a aflição de uma não confissão.

É nesse contexto que o longa se desenrola, é nessa perspectiva que você pode esperar por uma grande reviravolta. “Neve Negra” fala do silêncio embutido, do refúgio do mistério, do temor da incerteza, de traumas antigos que se tornam obstáculos difíceis de serem superados. “Você seria capaz de guardar um segredo?”, pergunta a divulgação do longa. Às vezes, a omissão da verdade é só um pretexto para se seguir uma vida baseada na falta de coragem. Uma inquietação sigilosa que vai te acompanhar por toda uma história. Uma sombra oculta que vai te encobrir pelos caminhos que seguir, pelos pensamentos que tiver. As únicas certezas aqui são o silêncio e a íntima dor. Seja para onde você for.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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