“Ninfomaníaca”
“Talvez a única diferença entre mim e as outras pessoas é que sempre exigi mais do pôr do sol. Mais cores espetaculares quando o sol está no horizonte. Talvez esse seja meu único pecado”. Essas são umas das poucas frases enigmáticas leves que Joe (Charlotte Gainsbourg), a protagonista de “Ninfomaníaca”, do polêmico diretor Lars Von Trier, disse no filme, que foi dividido em dois e cujas duas partes estão disponíveis na Netflix. Aliás, pra mim, que tanto amo e idolatro o melhor momento do dia, que é se despedir do sol, não me vejo tão diferente das pessoas, muito menos parecido com Joe, uma viciada em sexo que se deixa guiar a vida inteira pela busca e pelo entendimento do prazer sexual. Tudo bem, gosto de sexo, quem não gosta? Quem não pensa em sexo ao menos 30 vezes ao dia? Mas entre pensar o tempo todo e fazer todo o tempo há uma barreira social gigantesca, moldada em alicerces de erotismo e culpa bem-delineados. E, independentemente de qual seja o vício, estamos presos em alguma coisa que parece nos fazer bem, mas, no fundo, não nos completa.
No filme, Joe é socorrida por Seligman (Stellan Skarsgaard), o homem que a encontrou ferida na rua, e, assim, conta-lhe exaustivamente suas aventuras sexuais, sob o peso da tal grande culpa. A partir daí, a sexualidade em “Ninfomaníaca”, seja na primeira ou na segunda parte, raramente parece ser livre, simples ou metódica. Muito pelo contrário. Desde quando a jovem Joe (a estreante Stacy Martin) procura perder a virgindade com um rapaz qualquer, Jerôme (Shia La Beouf) – que se torna seu marido anos mais tarde e o único a forçá-la a alguma forma de sentimento –, até o ménage a trois com dois negros, passando pelas cenas de sexo explícito de dez em dez minutos, tudo no longa é pesado, abstrato, incômodo e contundente. Uma história de uma mulher viciada em sexo, mas que nunca consegue encontrar prazer nele. Seu único orgasmo verdadeiro aconteceu na infância e, desde então, ela trava uma luta viciante, passando por todas as formas sexuais de autodescobrimento. É assim que o diretor desenha a história. Claro, de um jeito provocante, ousado e feito especialmente para chocar, como qualquer filme dele, inclusive com ligações com “Anticristo” (2009).
Querendo encontrar explicações ocultas para a genialidade de Von Trier, “Ninfomaníaca” chega ao ponto de questionar o fato de a protagonista ser uma “mulher” viciada em sexo, e não um “homem”, e, por isso, choca muito mais, inclusive historicamente. O ponto é: encara-se com alguma naturalidade o caso de um homem que atende seus desejos e os coloca acima da família, mas não é permitido que uma mulher, sobretudo mãe, faça o mesmo. Assim, por que a culpa de Joe tem que ser maior que a de Brandon (Michael Fassbender), o protagonista viciado em sexo de “Shame” (2011)?
Assim como Lars Von Trier, o diretor Steve McQueen, de “Shame” (também disponível na Netflix), indica como a imagem pensa, mostra e reflete o sexo. E isso, para uma sociedade politicamente correta, é um choque de 220 V. Assim como a personagem ninfomaníaca aprecia o sexo várias vezes ao dia e o pôr do sol uma única vez, nós também fazemos o mesmo, só que em escalas completamente diferentes. As pessoas não precisam passar o dia se masturbando, se relacionando futilmente com um parceiro imediato ou transando até com móveis da casa, mas, se fazem isso entre quatro paredes, não são esses os motivos para se envergonharem ou serem julgadas. Assim como eu consigo enxergar a beleza do pôr do sol, e muitos acham uma total perda de tempo, outros vivem pelo e para o sexo. O prazer está na diferença. Se fôssemos todos iguais, isso aqui que chamamos de mundo seria um grande bacanal. Ou será que já é?
Até sexta que vem!!!!
Foto: Divulgação
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