“Boyhood – da Infância à Juventude”
Imagine filmar um longa por exatos 12 anos, cujo roteiro principal é justamente acompanhar o crescimento e as mudanças físicas e emocionais de um menino dos 6 aos 18 anos. Isso é possível? O diretor Richard Linklater nos mostrou em 2014 que sim, e “Boyhood – da Infância à Juventude”, que está disponível na Netflix, se transformou não só em um projeto fantástico, mas em algo único do ponto de vista cinematográfico.
O roteiro não foge desse tema: Mason Jr. (Ellar Coltrane) e Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor) são dois irmãos, filhos de pais divorciados, Olivia (Patricia Arquette, que levou a estatueta de melhor atriz coadjuvante) e Mason (Ethan Hawke), que vivem as alegrias e as tristezas da vida de duas crianças comuns. Fazem parte do universo do garoto as interações e os conflitos com os pais e a irmã, as várias mudanças de casa e escola, os turbulentos relacionamentos com os novos namorados da mãe, além da convivência com os amigos, da descoberta do sexo, dos sonhos e das decepções, até a entrada na universidade. Alguns espectadores podem achar isso tudo chato, principalmente por o filme não fugir muito desse beabá do crescimento e, sobretudo, por durar cerca de três horas, mas acredito que só o fato de você assistir à evolução dos atores/personagens, que envelhecem diante das câmeras, já vale seu tempo precioso.
E são as reflexões sobre a passagem do tempo de Linklater as mais impressionantes. Assim como na trilogia romântica “Antes do Amanhecer” (1995), “Antes do Pôr do Sol” (2004) e “Antes da Meia-Noite” (2013), o diretor usa e abusa das transformações físicas de seus atores para tornar seu roteiro crível e incrível – o que é mais nítido tratando-se de um menino que passa da infância à vida adulta. Talvez o padrão de tempo linear, sem grandes acontecimentos, deixe o longa um pouco óbvio. Mas, em vários momentos, você se vê pensando no tempo, fazendo uma analogia sobre você mesmo, sobre como foi seu passado, como é seu presente ou será seu futuro. E é justamente aí que o diretor belisca com força.
Em certo momento do filme (que foi um dos indicados ao Oscar 2015 e levou o Globo de Ouro e muitos outros prêmios naquele ano), Mason Jr., já um homenzinho diferenciado, cheio de ideias e bem amadurecido, questiona o pai: “Então, qual o objetivo da vida?”. Intrigado, Mason pai não sabe o caminho certo, mas chega à resposta: “Não sei muito bem. Enquanto isso, vamos improvisando”. E o que mais seria a vida senão uma grande encenação, em que os improvisos são nossa marca principal?
Em outro diálogo, um personagem explica para outro que discorda da ideia de que as pessoas devem aproveitar o momento. “É o momento que nos aproveita”, diz. O que eu acho é que o “não aproveitar” é que não é permitido. Fazendo a mesma analogia do personagem, realmente, compreendemos que cada instante que vivemos interfere no conjunto, claro. O que não devemos esquecer é que o tempo, às vezes, é cruel, amargo e mordaz. Doze anos podem ser resumidos em três horas. O que não se pode permitir é que o “para sempre” não seja o seu “agora”.
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