“The Post: A Guerra Secreta”
Uma das grandes decepções do Oscar, com apenas duas indicações na edição deste ano, o filme “The Post: A Guerra Secreta” pode trazer muito mais do que contrariedades ao espectador. Dirigido por Steven Spielberg, o filme, em cartaz nos cinemas, retrata os bastidores da cobertura da Guerra do Vietnã pelo “Washington Post” e o impacto da decisão tomada por sua editora, Kay Graham (Meryl Streep, indicada como melhor atriz pela 21ª vez), de divulgar documentos ultrassecretos do governo norte-americano sobre o conflito. No centro de “The Post”, também indicado como melhor filme, está o dilema entre noticiar o que é do interesse público, ideal personificado na figura do editor Bem Bradlee (Tom Hanks), e preservar a saúde financeira do jornal, ameaçada pela contraofensiva que o então presidente Richard Nixon lançaria contra a publicação. O momento também era particularmente delicado para essa movimentação: o “Post” estava no meio de um processo de abertura de capital, que traria mais liquidez para suas atividades.
Dito isso, você pode tentar fugir dos desapontamentos do longa e focar a série de encantos que ele proporciona. A começar pelo roteiro histórico, algo que faz parte da narrativa norte-americana e mundial e que é muito bom ver sendo escancarada desse jeito. Outro ponto positivo são os bastidores da imprensa, tão bem retratados e ligados à memória de um povo. E a atuação de alguns atores, como Tom Hanks e Meryl Streep, é uma atração a parte. Inclusive, não é só a performance da atriz, unânime entre cem a cada cem espectadores, que vale destaque. O papel que ela representa é ainda maior, e, em tempos de guerra ao assédio e luta por direitos iguais, talvez por isso ela tenha sido indicada à principal premiação do cinema mundial mais uma vez.
A publisher Kay Graham, que herdou a empresa de comunicação do pai e assumiu o controle do importante jornal após o marido falecer, teve que lutar, na década de 70, por um espaço transitado apenas por homens que trajavam ternos e muita arrogância. “Uma mulher no poder é como ver um cão andar com a pata traseira”. Essa frase dita no filme veio como um soco no meu estômago. Imagine, então, a ira que pode ser provocada e estimulada quando uma mulher escuta isso.
Tudo bem, estamos falando das décadas de 60 e 70. Vamos relevar, ou tentar fazer isso. Em uma sessão comentada com Clóvis Rossi, colunista da “Folha de S.Paulo”, na semana passada, o jornalista discutiu, entre tantos outros temas do filme, o papel das mulheres nas redações. Rossi lembrou que, ao trabalhar no jornal “O Estado de S. Paulo”, em 1965, não havia nenhuma mulher. “A primeira que entrou virou musa, e não necessariamente por ser bonita, mas por ser a única”, disse.
No cenário obscuro e atrasado daquele tempo, até que dava pra tentar entender. Mas, hoje em dia, não há o que relevar, não há o que entender. “Hoje, a situação da mulher é completamente diferente. E o jornalismo ganhou muito com isso”, completou Rossi, no debate. E não é só o jornalismo que saiu ganhando, não. Em todas as esferas da sociedade, a presença da mulher é indispensável, imprescindível e primordial. Não há nem o que discutir, os tardios conservadores é que são obrigados a aceitar.
Em uma cena crucial do longa, quando a personagem de Meryl Streep tem que decidir em publicar ou não a polêmica reportagem, uns cinco ou seis homens em pé a encurralam nitidamente enquanto ela está sentada, toda pensativa, amedrontada e desesperada. Representando não só o papel da editora, mas o de todas as mulheres do mundo, de todas as épocas, de toda a história, a personagem reverte aquele quadro com uma decisão certeira, corajosa, arrebatadora. Poucos homens teriam aquela bravura. Uma valentia que representa muito e combate tudo que é antiquado e arcaico. Se as notícias são os rascunhos da história, essa grande mulher delineou o que é respeito e fez um esboço histórico do que é valor e aceitação. Time’s up!
Até semana que vem!
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